sexta-feira, 29 de abril de 2011

O sonho Xavante e a esperança de mudanças reais

Por Gilberto Vieira dos Santos, Coordenador Regional do CIMI-MT

“Sonhou que alguém estava do outro lado do rio chorando e gritando, correu para lá, encontrou a lua que tinha sido envolvida em um pano molhado pelas estrelas. Voltou, pegou o fogo e correu para esquentar a lua. Quando ela melhorou, disse que havia gente que estava correndo atrás do sol e ele se escondia num buraco da terra. Correu, achou ruim com os Xavante, porque eram eles que espantavam o sol, assim liberou. A lua ficou agradecida e permaneceu com o pai dos Xavante. Por isso, agora, os Xavante têm filhos sadios. O sol ficou como pai dos waradzu; como ele é quente, os waradzu não tem saúde.”
Assim começa o mito do povo Xavante ‘Sonho da lua e do sol’, traduzido e transcrito na obra Jerônimo Xavante Sonha, dos salesianos Bartolomeu Giaccaria e Adalberto Heide. O conteúdo do mito nos remete a várias leituras, contudo, creio que entre as principais estão a perspectiva da integração dos Xavante à natureza e a resultante saúde do povo. Por outro lado, o waradzu, que é o não indígena, está associado à doença.
Talvez seja esta a grande ponta do fio histórico para entendermos porque este povo tão belo, dono de uma cultura forte e admirável, guerreiro em todos os sentidos, sofre com as freqüentes mortes de suas crianças, principalmente por doenças tão simplesmente controladas, como a desnutrição.
Entre os anos 1784 e 1788 se deu a chamada “grande pacificação” do povo Xavante. Guerreiros que resistiram, e resistem, em seus territórios foram sendo ‘convencidos’ a “paz”. Não precisamos ir muito longe para saber que esta dita paz significou a invasão de seus territórios e a expulsão dos Xavante, como aconteceu em 1966 com os que habitavam a terra Marãiwatséde. A mesma história se repetia, e nesta terra se instala o maior latifúndio da América Latina na época, a fazenda Suiá Missu. As primeiras doenças, já presentes entre os Xavante de São Marcos, para onde foram levados o povo de Marãiwatséde por aviões da FAB, causaram a morte de muitos daqueles e daquelas que ali chegaram. Tudo indica que, na presença dos waradzu, na invasão dos territórios está uma boa parte da explicação para as mortes que, já seculares, se abatem sobre o povo Xavante.
Embora os elementos de omissão e negação de direitos por parte dos governos que se sucederam já fossem presentes à época, hoje ganham dimensões de maior intensidade. Se anteriormente o Estado negou o direito territorial aos povos indígenas, trabalhando claramente para a expansão da empresa latifundista, hoje além de manter, na prática, acrescenta á esta negação outros direitos que significam, no frigir dos ovos, crimes contra o direito à vida. Esta ausência tem resultado no caos do atendimento à saúde dos povos indígenas e no vergonhoso número de mortes, principalmente de crianças, entre o povo Xavante. Parabubure, terra indígena localizada no município de Campinápolis é uma das situações vividas pelos povos indígenas de Mato Grosso. Como estão as outras comunidades Xavante onde também não se tem água em reais condições de consumo humano, mas é consumida assim mesmo por que não há outra opção; quantos poços foram perfurados para estas comunidades para evitar que as pessoas destas comunidades tenham buscá-la nos rios? E se não fossem ações do Projeto AMA, iniciativa do mestre salesiano Alois, que vem com sua equipe perfurando e consertando poços em várias terras indígenas, cumprindo, por vezes, o papel que o Estado deveria desempenhar como seria?
Não é demais lembrar que água potável, de qualidade para o consumo é parte relevante da saúde e o contrário significa doenças provocadas por amebas, verminoses e outras. Então, por que os recursos destinados ao “Saneamento básico em aldeias indígenas para prevenção e controle de agravos”, que envolvem a atenção ao fornecimento de água, entre outros, foram subutilizados em 2010, sedo utilizados apenas 3,45% dos mais de R$ 50 milhões disponíveis? Por que o montante dos recursos para “Estruturação de unidades para o atendimento à população indígena” e para a “Promoção, vigilância, proteção e recuperação da saúde indígena” não foram empregados em sua totalidade?[1] Muitas comunidades vêm sofrendo com falta de manutenção dos equipamentos instalados nas aldeias como bombas d’água que passam meses quebradas, por que? Sabemos que não é por falta de recursos.
Alguns da parte do governo federal apontam que os problemas advêm do momento de transição do atendimento antes feito pela Funasa que passou para a Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena, SESAI. Mas e anteriormente, se estes problemas em muitas comunidades são muito anteriores ao decreto de criação da SESAI de quem era a responsabilidade? E não há um planejamento para esta transição? Os indígenas deverão esperar morrendo e sofrendo inúmeras privações de seus direitos enquanto o Estado se adéqua à suas próprias burocracias?
Certamente estes e outros questionamentos farão parte da pauta debatida pelos povos indígenas que se reunirão em Brasília no inicio de maio, onde buscam, a cada ano, fortalecer o Movimento Indígena tão importante e necessário diante do caos gerado pela omissão do Estado Brasileiro. Que a pressão popular e a denúncia, que ao que tudo indica é a única linguagem que permite comunicar aos governos a situação dos povos indígenas, resulte e ações efetivas que possam ir em direção oposta ao genocídio impetrado pelo Estado.

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